Há dois meses atrás, tomei duas decisões muito importantes:
1. Parar de tentar "ser normal" através da negação da minha condição e não só a aceitar, mas sobretudo motivar outros a usarem a sua voz, qualquer que seja a sua história.
2. Enfrentar os meus medos ao partilhar a minha história com o maior número de pessoas possível, na esperança de contribuir para a comunidade de pessoas com narcolepsia e espalhar a palavra para quem a queira ouvir.
Com isto dito, sinto que tenho que esclarecer algumas coisas que considero fundamentais para quem está a ler.
Este blog é, acima de tudo, a minha história, a minha experiência a detalhar a minha jornada sobre como foi crescer sem saber desta doença, o longo caminho até ser diagnosticada e como é agora viver com esta doença crónica. O meu principal objetivo é partilhar a minha realidade pessoal e o impacto que esta doença crónica teve em todas as áreas da minha vida.
Quando decidi escrever este blog, sabia que seria um desafio enorme para mim. Para além dos meus próprios dilemas pessoais, existem uma série de implicações possíveis. A narcolepsia é uma condição altamente complexa e afecta cada indivíduo de forma diferente. Cada experiência é distinta porque está tão ligada às nossas circunstâncias, localização, posição social, educação, etc...
Como dar verdadeira justiça a todas as suas complexidades de forma que as pessoas consigam entender?
É difícil descrever algo que as pessoas nunca sentiram, muito menos estabelecer com sucesso uma ligação emocional a um mundo que nunca conheceram.
A narcolepsia não faz parte da minha vida...ela é a minha vida.
Para que as pessoas possam compreender, precisam de conhecer a minha história toda.
Todos nós tememos ser julgados... e, por mais que eu gostasse de dizer que sou a exceção... sou tão humana como todos os outros, atormentada pelos mesmos medos e dúvidas inerentes.
Uma das melhores lições que aprendi cedo na vida é simplesmente que as vezes a única opção é seguir em frente.
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Quando acordei hoje, o meu plano era reler o post que tinha concluído pela última vez, apenas para garantir que estava pronto para ser publicado. Mas quanto mais o lia, mais percebia que estava tudo errado.
Parecia demasiado limpo. Não parecia genuíno. Não quero escrever algo só porque soa bem mas que não tem substância alguma. Quero escrever o que é real.
Então lembrei-me de uma conversa que tive com uma amiga no outro dia... ela disse-me algo que ficou comigo:
"Quando lês ou ouves alguém que te inspira, não queres apenas as palavras inspiradoras, técnicas e "bonitas"...queres a dura verdade...os altos e baixos...quanto mais pessoal é, mais toca as pessoas".
Ela tem razão.
A narcolepsia não é apenas uma parte da minha vida... a narcolepsia é a minha vida.
Portanto, para que alguém entenda todas as formas como esta condição pode afetar, perturbar, ameaçar e impactar cada aspecto, cada dia da nossa vida... preciso dar-vos a verdade dura e crua.
A família desempenha um papel vital nos primeiros anos de vida de uma criança, ainda mais quando falamos de condições como a minha.
Um diagnóstico precoce é fundamental para uma transição mais suave para a aceitação e adaptação. Nos EUA, estima-se que 1 em cada 2.000 pessoas sofra de narcolepsia e mais de 50% das pessoas que a têm, não sabem que a têm.
A primeira memória que associei à narcolepsia foi por volta dos 14 anos (só fui diagnosticada 13 anos depois).
Lembro-me vividamente porque foi uma experiência extremamente assustadora... e embora não tivesse ideia, foi uma introdução ao meu novo mundo, um repleto de paralisia do sono e alucinações hipnagógicas.
Em Londres, mudámo-nos algumas vezes, até finalmente nos instalarmos num apartamento numa área chamada Stoke Newington. Não podia reclamar... havia lugares piores em Hackney onde poderíamos ter acabado, este até parecia relativamente decente.
Era uma pequena propriedade do conselho, rodeada por apartamentos por todo o lado, castanhos e aborrecidos... o típico ambiente de Londres.
Aos meus olhos, era o lugar onde me sentia mais confortável desde que me tinha mudado para Londres em '97.
Mas nos próximos anos nessa casa, os pesadelos começaram, seguidos por experiências assustadoras e perturbadoras que me fariam questionar-me a mim própria formas que nem imaginava possíveis.
Ao mesmo tempo, comecei a ter momentos breves de perda involuntária de controlo dos movimentos faciais e por vezes fraqueza nos meus joelhos.
Durante um intervalo, estava com os meus amigos no nosso canto habitual do recreio da escola, quando alguém disse algo ridiculamente cómico.
Senti o meu peito inflar com um calor estranho e uma rigidez que não conseguia compreender... o meu corpo implorava para libertar a emoção que eu estava a tentar exteriorizar... mas tudo o que conseguia sentir era o tremor das minhas bochechas enquanto lutava para manter os olhos abertos.
A emoção que o meu corpo estava a aprisionar à força era incrivelmente avassaladora.
A minha voz congelou na minha garganta... as minhas bochechas continuaram a tremer de forma anormal... os meus lábios agora a tremer ligeiramente.
O sentimento desceu de repente para os meus joelhos, e senti como se alguém os tivesse batido fortemente por trás, fazendo-me dobrar ligeiramente.
E de repente, tão subitamente quanto apareceu, desapareceu.
Pisquei rapidamente para focar os meus olhos o mais rápido possível.
Com o coração apertado e agora a revirar-se no fundo do meu estômago, olhei à minha volta enquanto a risada diminuía lentamente... estava sozinha no meu pânico interno. Ninguém tinha reparado.
Eventualmente, optei por ignorar este incidente, provavelmente estava apenas com fome... um corpo precisa de sustento para se manter direito, certo?
Mas esse incidente tornar-se-ia uma ocorrência regular na minha vida... uma "característica" que acabei por eventualmente considerar minha.
Ao longo dos anos, de repente, já não era provocado apenas pelo riso... manifestava-se com qualquer emoção forte; tristeza, medo, choque, surpresa, raiva... etc.
Permaneci em silêncio.
Não achei importante suficiente para partilhar com ninguém.
Era apenas uma "característica" minha, e procurava conforto na suposição de que provavelmente não era a única e que realmente não era significante o suficiente para mencionar.
O próximo desenvolvimento foi a fadiga. Não importava quanto dormisse, nunca me sentia completamente acordada.
Nessa altura, não era apenas sonolência diurna. Era um peso no meu corpo, nos meus olhos, que às vezes podia durar dias seguidos.
Haviam dias em que me sentia bem e até esquecia-me disso por completo... mas tornava-se cada vez mais difícil acordar de manhã.
Demorava mais tempo para me arranjar para o colégio, por isso, chegava sempre atrasada.
Durante as aulas, se tivesse um professor particularmente monótono, ou um tema aborrecido, a minha mente sentia-se envolta numa névoa nebulosa. Como se estivesse a sonhar, mas acordada.
Às vezes, distraía-me, a minha mente divagava para um mundo distante, fazendo-me saltar quando a minha amiga dava-me uma cotovelada e olhava para mim incrédula.
Não sei como, mas consegui terminar os 2 anos do colégio e iniciar a Universidade.
A sonolência diurna tornou-se ainda mais difícil de controlar.
Mas ainda não me afetava... na minha cabeça, era completamente natural estar sempre cansada. Já estava tão habituada mesmo.
Noites tardias, shots de tequila, ressacas mais frequentes do que não... essa é a experiência da Universidade, certo?
A narcolepsia não é apenas invisível para os outros, até as pessoas que sofrem os seus efeitos podem ser cegas para eles... a menos que conheçam a sua existência e saibam o que procurar... não a verão. Os sintomas mais pesados são invisíveis ao olho nu e os visíveis não gritam exatamente doença para o mundo.
Em 2013, decidi juntar-me às minhas duas irmãs em Angola, onde a minha vida desviou numa direção verdadeiramente inesperada e trouxe-me ao lugar onde estou agora.
Obrigado a todos por lerem!
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